terça-feira, 29 de junho de 2021

Cãibra: o que é e como evitar?

 




    Ao realizar exercícios físicos, especialmente em alta intensidade ou longa duração, é comum relatos de um tipo específico de dor muscular: as cãibras. Tais dores podem acontecer tanto em atletas, quanto em pessoas que estão dando os passos iniciais para sair do sedentarismo, e está associada a diferentes causadores. 

    Nesta postagem, será abordado os principais conhecimentos que temos atualmente sobre esse fenômeno. 

O que é a cãibra

    É uma contração muscular dolorosa, involuntária e próxima da capacidade máxima do músculo, geralmente com início de forma abrupta, dando a sensação que os músculos então se sobrepondo. Comum em crianças, idosos, grávidas e ao realizar exercícios físicos vigorosos, acomete principalmente músculos do pé, perna e coxa.

Cãibra e exercício físico

    A causa exata da cãibra ainda é motivo de estudos, contudo, duas teorias são as mais "aceitáveis" atualmente: 1) teoria da depleção de eletrólitos e desidratação; 2) teoria do controle neuromuscular alterado.

    Na primeira teoria, a cãibra ocorre devido o desequilíbrio de eletrólitos no sangue e meio extracelular. Eletrólitos são partículas/minerais carregados eletricamente (como sódio, potássio, cloreto e magnésio), essenciais para o funcionamento normal de vários tecidos, enzimas e hormônios.

    Segundo os defensores dessa teoria, o suor seria o principal agente no desequilíbrio eletrolítico induzido pelo exercício, afetando as funções normais dos nervos e terminações nervosas, gerando contrações musculares involuntárias.

    Na segunda teoria, a cãibra é decorrente de desequilíbrio na atividade dos fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi (OTG) Fusos musculares e OTG são denominados "proprioceptores" (receptores sensoriais altamente sensíveis ao movimento, localizados nas fibras musculares e tendões). Enquanto os fusos musculares tem função de gerar informação sobre modificações no comprimento e tensão de fibras musculares, os OTG estão localizados nos tendões, emitindo informação sobre a tensão muscular. Ambos os receptores tem função protetora sobre músculos e tendões, reduzindo o risco de lesões por contrações ou estiramentos excessivos.
    
    Nessa teoria, a fadiga muscular resultante do exercício físico gera aumento na atuação dos fusos musculares e diminuição da ação do OTG, o que acarreta no aumento da ativação dos moto-neurônios, gerando contrações musculares involuntárias.
    
Como agir e/ou evitar
    
    Formas efetivas de aliviar ou evitar as cãibras ainda são controversos. Contudo, as principais estratégias adotadas são o alongamento passivo da musculatura com cãibra, o que pode estimular o OTG (fortalecendo a ideia da 2ª teoria) e "travar" o segmento corporal, bem como a ativação voluntária da musculatura antagonista ao segmento com cãibra (ex.: realizar uma extensão de perna, caso a cãibra ocorra na parte posterior da coxa).                 
   
     Além disso, a hidratação é essencial, tanto no dia-a-dia, quanto durante exercícios físicos (em dose moderada), podendo diminuir a incidência de cãibra, além de fundamental para diversos mecanismos corporais.

Referências

Swash, M., Czesnik, D., & de Carvalho, M. (2019). Muscular cramp: causes and management. European journal of neurology, 26(2), 214-221.


Powers, S. K., & Howley, E. T. (2012). Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 8th edição, Manole.


Swash, M., Czesnik, D., & de Carvalho, M. (2019). Muscular cramp: causes and management. European journal of neurology, 26(2), 214-221.



terça-feira, 15 de junho de 2021

Além dos músculos: benefícios psicológicos do exercício físico

 


    



    O exercício físico é conhecido por gerar adaptações fisiológicas que irão ocasionar em maior desempenho físico, alterações corporais, como aumento de massa muscular e redução de gordura corporal, além de eficiente na prevenção e tratamento não-medicamentoso para diversas doenças, como hipertensão e diabetes.

    Tais benefícios são bastante relevantes ao objetivar aumento de desempenho em uma modalidade/prova específica, ou ao buscar um estilo de vida saudável. Contudo, algo que muito é negligenciado, porém é essencial em qualquer indivíduo é a saúde mental. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), cerca de 15% da população nas Américas sofrem com depressão, enquanto os índices de ansiedade nessa população chegam a 21%. 

    Práticas como atividades de lazer, socialização e exercício físico são algumas formas de melhorar a saúde mental das pessoas. Abaixo, abordarei alguns benefícios do exercício físico sobre fatores psicológicos.


Benefícios psicológicos e evidências científicas

    Diversos estudos tem investigado a relação entre exercícios físicos e benefícios para saúde mental, seja no esporte, quanto em não atletas. No trabalho de revisão de Hosker, Elkins e Potter (2019), os autores abordam diversos benefícios psicológicos relacionados ao exercício físico. Os autores consideraram 3 principais domínios, os quais estão resumidamente listados abaixo.


Social-emocional

  • Melhora as qualidades e habilidades relacionadas à auto percepção e a valorização que uma pessoa tem por si;
  • Maior probabilidade de expressar auto confiança;
  • Aumenta o engajamento para novas atividades e/ou situações.


Acadêmico

  • Melhora o comportamento em aula e desempenho acadêmico, como maiores notas em provas e simulados;
  • Estimula cognição, gerando benefícios como melhor aprendizagem, memória, atenção e velocidade de processamento (relacionado a analisar a situação e definir qual ação realizar).


Desordens psíquicas

  • Efeito protetor contra sintomas depressivos e suicidas, como tristeza profunda, pensamentos e/ou tentativas suicidas;
  • Melhora no quadro de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), como melhora em funções motoras, comportamentais, sociais e emocionais, assim como o exercício físico em crianças e adolescentes ameniza os sintomas de TDAH na fase adulta;
  • Melhora aspectos relacionados à ansiedade, como menor isolamento social devido à ansiedade;
  • Diminui desejo pelo consumo de drogas, como bebidas alcóolicas e cigarro.

    Hosker, Elkins e Potter (2019) também abordam os mecanismos envolvidos em tais benefícios, categorizados em neurobiológicos e psicossociais. Tais mecanismos podem ser resumidos da seguinte forma:

Neurobiológicos
  • Modificação nas respostas oxidativas e  inflamatórias;
  • Promove a neurogênese, sinaptogênese, mielinização e angiogênese;
  • Modulação de serotonina, dopamina, noradrenalina e endorfina;
  • Regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.


Psicossociais 

  • Satisfação de necessidades psicológicas básicas;
  • Domínio de um conjunto de habilidades;
  • Promove a confiança por meio de conquistas;
  • Superação de situações difíceis, além da tolerância ao estresse;
  • Aumento na auto eficácia e auto conceito.

    

    Por fim, é importante lembrar que, para a obtenção de tais benefícios, os princípios do treinamento físico devem ser respeitados, preferencialmente supervisionado por um profissional de Educação Física. Além disso, a junção do exercício físico, alimentação saudável e sono adequado são fundamentais para um estilo de vida saudável.


Referências

WHO. Depression and Other Common Mental Disordes: Global Health Estimates. World Health Organization ed. Geneva2017.


Hosker, D. K., Elkins, R. M., & Potter, M. P. (2019). Promoting mental health and wellness in youth through physical activity, nutrition, and sleep. Child and Adolescent Psychiatric Clinics, 28(2), 171-193.



terça-feira, 25 de maio de 2021

Exercício Físico e máscara facial

 



    Com o novo coronavírus (SARS-Cov-2), as máscaras se tornaram "populares" (obrigatórias), sendo uma das tentativas de reduzir o número de infecções. A meta-análise de Chu et al. (2020) fornece dados para crer que medidas como uso da máscara, distanciamento (ao menos 1m, sendo 2m mais seguro) e proteção ocular são eficazes ao reduzir o número de contágio.

    Porém o estudo sobre o uso da máscara ao realizar exercícios físicos precede essa triste realidade, ainda que antes, o principal objetivo fosse a melhora de desempenho, utilizando outro tipo de máscara facial, as quais simulam elevadas altitudes. Embora diferenças importantes ocorram entre esses tipos de estudos, alguns pontos em comum existem e merecem destaque.

    Fikenzer et al. (2020) evidenciaram que dois tipos de máscaras (cirúrgica e FFP/N95) reduziram significativamente o desempenho cardiorrespiratório (potência máxima, VO2máx, ventilação e desconforto geral) em teste incremental em uma bicicleta ergométrica, sendo os piores resultados apresentados na máscara FFP2/N95.

    Por outro lado, Epstein et al. (2020) não encontraram diferenças significativas no tempo até exaustão, pressão sanguínea sistólica, frequências cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio e percepção de esforço nos 3 protocolos (sem máscara, com máscara cirúrgica e com máscara N95) realizados em bicicleta ergométrica. Embora ambos os estudos tenham sido aplicados em sujeitos saudáveis e ativos, a divergência nos resultados sugere que algumas pessoas podem se adaptar mais rápido ao uso da máscara em exercícios físicos.

    Embora os resultados de Fikenzer et al. (2020) possam parecer bastante prejudiciais ao desempenho físico, é importante lembrar que o uso da máscara pode ocasionar maior estresse metabólico, o que é interessante quando o objetivo é a hipertrofia muscular.


Conclusões

    Apesar do desconforto e possível redução do desempenho físico ao se exercitar com máscara, uma maior segurança e menor risco de contágio de infecções parece ser um pequeno preço a se pagar. Além disso, manter uma rotina de exercícios físicos é fundamental para obter os diversos benefícios do exercício físico, dentre eles o  fortalecimento do sistema imunológico e melhora em variáveis psicológicas (ex.: diminuição de sintomas depressivos e ansiedade).

    Dessa forma, o gerenciamento das variáveis agudas do treinamento devem ocorrer afim de tornar o treino efetivo, porém um pouco mais confortável ao praticante. Dentre as possíveis formas para isso, posso citar uma pequena diminuição na intensidade do exercício, ou um aumento no tempo de descanso. Além disso, se possível, é interessante levar mais que uma máscara e realizar a troca após grande quantidade de suor.

   

Referências

Teodoro, C. L. (2017). Efeito agudo do uso da máscara de restrição de fluxo de ar durante a realização de exercício resistido.


Fikenzer, S., Uhe, T., Lavall, D., Rudolph, U., Falz, R., Busse, M., ... & Laufs, U. (2020). Effects of surgical and FFP2/N95 face masks on cardiopulmonary exercise capacity. Clinical Research in Cardiology, 109(12), 1522-1530.


Epstein, D., Korytny, A., Isenberg, Y., Marcusohn, E., Zukermann, R., Bishop, B., ... & Miller, A. (2021). Return to training in the COVID‐19 era: The physiological effects of face masks during exercise. Scandinavian journal of medicine & science in sports, 31(1), 70-75.






segunda-feira, 3 de maio de 2021

Retorno aos exercícios físicos pós COVID-19

 



    Enquanto alguns lugares do mundo já se livraram da obrigatoriedade do uso da máscara de proteção individual, no Brasil, aparentemente ainda vivemos no ápice dessa triste doença. De acordo com o site oficial do governo, no dia 02 de maio, 13.278.718 pessoas se recuperaram da covid-19, enquanto o total de vacinados (ao menos 1 dose) acumula-se em 29.421.191.

    Ao considerarmos esses dados, assim como a iminência de tais números aumentarem nos próximos meses, a volta dessas pessoas às atividades cotidianas merece atenção, dentre elas o exercício físico. É de conhecimento popular que a prática regular de exercícios físicos proporciona diversos benefícios à saúde, podendo diminuir gravidade da infecção pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2), bem como auxilia na recuperação de importantes atributos após a recuperação. Contudo, alguns cuidados merecem ser tomados ao planejar tal volta aos exercícios físicos.

    Este post é baseado no artigo de Salman et al., publicado em 8 de janeiro de 2021, apresentando um ponto de vista prático sobre o retorno aos exercícios físicos pós COVID-19.


Riscos do exercício físico pós covid-19

    Os riscos após recuperar-se da covid-19 irão depender de como se desenvolveu essa doença e qual sua gravidade, podendo ser diferente em cada indivíduo. Além disso, dado que é uma doença recente, existem poucos estudos que avaliem uma maior amplitude de fatores em pessoas recuperadas. Aqui serão abordadas algumas complicações que merecem uma maior atenção.

    A primeira delas é identificar o risco para miocardite viral. Trata-se de uma inflamação no músculo cardíaco conhecido como "miocárdio", podendo ser ocasionada principalmente por  vírus, bactérias, protozoários ou fungos, medicamentos, doenças auto-imunes, consumo exagerado de álcool e outras drogas. Tal inflamação pode ocasionar uma maior dificuldade no bombeamento do sangue e arritmias cardíacas, afetando diretamente o desempenho em exercícios físicos e a saúde do indivíduo.

    Outro fator é avaliar qual impacto da covid-19 nas funções respiratórias, as quais são uma das mais afetadas por essa doença. Complicações como embolia pulmonar e insuficiência respiratória estão associadas com a covid-19, as quais influenciam o desempenho em exercícios físicos, em especial os cardiorrespiratórios (como o ciclismo e a caminhada).

    Além disso, é importante saber como está o estado psicológico dos indivíduos recuperados, uma vez que estresse pós-traumático, altos níveis de ansiedade, sintomas depressivos e psicose têm sido identificados em indivíduos após a covid-19, o que merece bastante atenção a fim de reduzir tais sintomas, bem como auxiliar na escolha do local e modalidade mais indicados para a prática do exercício físico. 


Como retornar aos exercícios físicos com segurança?

    É aconselhado que o retorno ocorra apenas após um período de cerca de 1 semana sem sintomas da covid-19, iniciando com esforços leves e progredindo de forma lenta e gradual, respeitando os princípios do treinamento físico e tendo atenção em relação à forma como o indivíduo está reagindo aos exercícios físicos.

    Salman et al. (2021) propuseram 5 fases para auxiliar no retorno aos exercícios físicos, as quais devem durar ao menos 1 semana, podendo regredir de fase caso o indivíduo tenha dificuldades na sua realização. Além disso, a progressão de fase só deve ocorrer quando o indivíduo puder cumprir a meta de cada fase.


Fase 1

    - Meta: preparação para o retorno aos exercícios físicos

    - Exercício: repouso, exercícios de respiração, flexibilidade/alongamento, equilíbrio e caminhada leve

    - Percepção subjetiva do esforço (PSE) sugerida*: 6 - 8 (extremamente leve)


Fase 2

    - Meta: atividades de baixa intensidade como caminhada, yoga (leve) e tarefas domésticas

    - Exercício: aumento gradual de 10 - 15min por dia

    - PSE sugerida: 6 - 11 (muito leve - leve)

    - Progressão: quando puder caminhar 30min com PSE 11 (leve)


Fase 3

    - Meta: desafios cardiorrespiratório e força de intensidade moderada

    - Exercício: como exemplo, pode conter 2 séries de 5min em exercícios cardiorrespiratórios, com 5min de descanso entre eles. Se possível, adicionar 1 série a cada dia.

    - PSE sugerida: 12 - 14 (leve - moderado)

    - Progressão: quando realizar uma sessão de 30min e se sentir recuperado após 1h


Fase 4

    - Meta: desafios cardiorrespiratório e força de intensidade moderada com exercícios funcionais e de coordenação

    - Exercício: intercalar 2 dias de treino com 1 dia de recuperação

    - PSE sugerida: 12 - 14 (leve - moderado)

    - Progressão: quando os níveis de fadiga estiverem normais**


Fase 5

    - Meta: exercício regular

    - Exercício: retorno às atividades regulares

    - PSE sugerida: > 15 se tolerado


* Com base na escala de Borg de 6 - 20.

** Se possível, em comparação com antes da covid-19.


Referência

<https://covid.saude.gov.br>, acessado em 03 de maio de 2021, às 12:20;


Epstein, D., Korytny, A., Isenberg, Y., Marcusohn, E., Zukermann, R., Bishop, B., ... & Miller, A. (2021). Return to training in the COVID‐19 era: The physiological effects of face masks during exercise. Scandinavian journal of medicine & science in sports, 31(1), 70-75.


da Silva Ferreira, M., Farias, G. S., Barros, G. R., da Silva Santos, S. F., & de Sousa, T. F. (2020). Ponto de vista dos profissionais de Educação Física sobre o uso da máscara facial durante o exercício físico na pandemia da COVID-19. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 25, 1-9.


Salman, D., Vishnubala, D., Le Feuvre, P., Beaney, T., Korgaonkar, J., Majeed, A., & McGregor, A. H. (2021). Returning to physical activity after covid-19. bmj, 372.

terça-feira, 30 de março de 2021

Métodos de Controle de Carga do Treinamento

 


    O treinamento físico resulta em diversos benefícios em aspectos como desempenho e saúde, sendo a continuidade e sobrecarga princípios fundamentais para favorecer contínuas melhoras. Contudo, é comum as pessoas sentirem dificuldade ao progredir em um programa de treinamento, podendo até a resultar em lesões por esforço excessivo  ou estagnação em uma ou mais capacidades físicas.

    Dentre as possíveis explicações, a ausência do controle da carga de treinamento é uma das mais comuns. A carga de treinamento diz respeito ao quanto de esforço foi realizado em uma sessão de treinamento, sendo dividida em carga interna e externa. Esta simples estratégia possui fundamental importância em um programa de treinamento físico bem estruturado, podendo ser um fator chave para alcançar os objetivos. Abaixo trarei uma breve explicação sobre a carga externa, interna e seus principais métodos de campo.


Carga Externa

    A carga externa busca quantificar atributos da sessão de treinamento, geralmente associadas a fatores de prescrição, como volume, velocidade, duração do estímulo e carga mecânica.

    A carga mecânica, no treinamento de força, é um dos principais parâmetros para controle de carga externa, sendo de grande importância quando se é pretendido elevar ou diminuir o esforço em uma sessão.

    Para calcular a carga mecânica em cada exercício e de toda a sessão de treinamento, devemos realizar as seguintes operações:

    Carga mecânica por exercício (UA) = nº séries x nº repetições x carga (kg).

    Carga mecânica da sessão (UA) = carga mecânica no exercício 1 + carga mecânica no exercício 2 ... + carga mecânica no exercício n

  

Carga Interna

    Por sua vez, a carga interna visa quantificar como o organismo de um indivíduo respondeu ao estímulo (treino) que foi realizado. Para isso, diversos métodos podem ser aplicados, desde fatores psicológicos, até fisiológicos. A aplicação de determinado método irá depender da disponibilidade de ferramentas ao acesso do profissional, além da especificidade com a modalidade do aluno/atleta. Abaixo irei mencionar os principais métodos de controle de carga interna do treinamento.

    PSE-S

    A  percepção subjetiva do esforço (PSE)  é  entendida  como a  integração  de  sinais  periféricos  (músculos  e articulações)  e  centrais  (ventilação)  que, interpretados  pelo  córtex  sensorial,  produzem  a percepção  geral  ou  local  do  esforço  para  a realização  de  uma  determinada  tarefa. Diferentes escalas são utilizadas para mensurar a PSE em uma sessão de treinamento, sendo as versões mais famosas a CR10, OMNI e a forma tradicional da escala de Borg (6-20 pontos).

    Baseada na resposta do esforço em uma sessão de treinamento, Foster et al. (2001) propôs o método da  percepção subjetiva do esforço da sessão (PSE-S), como um simples e eficaz método de controle de carga. Em seu protocolo original, multiplicava-se a resposta da PSE 30min após o término da sessão com a duração (min). Mais recentemente, menores tempos pós sessão (ex.: 20, 15 e 10min) mostraram ser suficientes para obtenção da PSE-S.


    Humor

    Os estados de humor representam uma ferramenta simples, subjetiva, porém pode ser bem aproveitada e costuma representar o grau de esforço em uma sessão de treinamento.

    A literatura aborda 6 estados (ou dimensões) do humor: tensão, depressão, raiva, fadiga, confusão mental e vigor (Vieira et al., 2010). Resumidamente, o vigor representa a única dimensão positiva, e altos valores nesse fator representa muita energia e pouco cansaço. De modo oposto, as demais dimensões (consideradas dimensões negativas), em especial a fadiga, representam o quão desgastante foi a atividade realizada.

    Os principais questionários que medem o humor são o BRUMS e POMS, podendo ser aplicados imediatamente antes/após a sessão, bem como semanalmente.


    TRIMP

    O TRIMP, abreviação de "Training Impulse" (impulso ou estímulo do treinamento), é um método proposto por Banister et al. (1991) para quantificar o esforço do treinamento em um único parâmetro. Para isso, eles avaliaram a resposta da frequência cardíaca e duração do exercício, principalmente em exercícios cardiorrespiratórios. Esse método é calculado da seguinte forma:

    TRIMP (w(t)) = duração da sessão(min) * Razão ∆HR Y

    Razão ∆HR = (FCexercício – FCdescanso) / (FCmáxima – FCdescanso)
    
    Y = (0,64 * e)1,92 * x  (homens)
    Y = (0,86 * e)1,67 * x (mulheres)

    e = 2,712
    x = Razão ∆HR 


    VFC

    A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) é o intervalo entre entre os batimentos cardíacos, mais especificamente o intervalo entre uma onda R e outra (Vanderlei et al. 2009). Esse fator reflete a modulação simpática e parassimpática do sistema nervoso autônomo ao regular a frequência cardíaca. O exercício físico, em especial o cardiorrespiratório, é capaz de modificar a VFC, podendo esse método ser utilizado para identificar se há uma boa adaptação à um programa de treinamento físico.


    CK

    A creatina quinase (CK) é um marcador biomecânico amplamente utilizado para quantificar o dano muscular (Rodrigues et al., 2010). Embora mais complexa que os demais métodos, este método fornece importante informação em relação ao desgaste após uma sessão de treinamento, podendo auxiliar a gerenciar a intensidade nas sessões seguintes.


Referências

Foster, C., Florhaug, J. A., Franklin, J., Gottschall, L., Hrovatin, L. A., Parker, S., ... & Dodge, C. (2001). A new approach to monitoring exercise training. The Journal of Strength & Conditioning Research, 15(1), 109-115.


Uchida, M. C., Teixeira, L. F., Godoi, V. J., Marchetti, P. H., Conte, M., Coutts, A. J., & Bacurau, R. F. (2014). Does the timing of measurement alter session-RPE in boxers?. Journal of sports science & medicine, 13(1), 59.


Vieira, L. F., de Oliveira, J. S., Gaion, P. A., de Oliveira, H. G., da Rocha, P. G. M., & Vieira, J. L. L. (2010). Estado de humor e periodização de treinamento: um estudo com atletas fundistas de alto rendimento. Journal of Physical Education, 21(4), 585-591.


Vanderlei, L. C. M., Pastre, C. M., Hoshi, R. A., Carvalho, T. D. D., & Godoy, M. F. D. (2009). Noções básicas de variabilidade da frequência cardíaca e sua aplicabilidade clínica. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery, 24(2), 205-217.


Rodrigues, B. M., Dantas, E., de Salles, B. F., Miranda, H., Koch, A. J., Willardson, J. M., & Simão, R. (2010). Creatine kinase and lactate dehydrogenase responses after upper-body resistance exercise with different rest intervals. The Journal of Strength & Conditioning Research, 24(6), 1657-1662.



terça-feira, 23 de março de 2021

Técnicas do Treinamento de Força #3 - Oclusão vascular e técnica da potência


   


    Em "Técnicas do Treinamento de Força #2" vimos duas técnicas que tinham por objetivo levar o indivíduo ao máximo de repetições possíveis, para assim aumentar o estresse metabólico e otimizar ganhos de força e hipertrofia musculares. Hoje, veremos duas técnicas que visam um menor volume de treinamento, porém com objetivos divergentes.

Oclusão Vascular

     O treinamento de oclusão vascular, restrição de fluxo sanguíneo ou simplesmente treino "Kaatsu", é caracterizado pelo uso de um equipamento que reduz o fluxo sanguíneo em determinado segmento corporal (braços ou pernas), afim de aumentar o estresse metabólico.

   Devido ao maior estresse metabólico, essa técnica permite aos indivíduos alcançarem similares resultados ao treino com alta intensidade sem restrição vascular, ainda que sejam utilizadas cargas leve-moderada.
 
Eficácia científica
    Na literatura científica, alguns estudos evidenciaram benefícios da técnica de oclusão vascular, podendo gerar aumento no tamanho, força e resistência musculares (Takarada, Sato e Issi, 2002; Sylz, Stulz e Burr, 2015; Fatela et al., 2017). 
    
    Por outro lado, Nascimento (2018) alerta para alguns riscos envolvendo essa técnica (por exemplo: trombose venosa), a qual foi considerada contraindicada para indivíduos que possuam problemas cardiovasculares, diabetes, hiperlipidemia ou obesidade. Ainda, o autor traz como de risco seu uso em pessoas com histórico/tendência à trombose, grávidas e indivíduos com varizes.

Sugestões para aplicação prática
    A oclusão vascular é uma interessante técnica para se obter hipertrofia, força e resistências musculares. Devido ao seu alto estresse metabólico, permite a obtenção de tais resultados, mesmo utilizando baixas cargas de treinamento, sendo interessante para pessoas que não podem/conseguem realizar treino com cargas elevadas (ex.: idosos ou pessoas voltando de lesão).

    Por outro lado, tal técnica pode gerar sérios riscos, caso aplicado inadequadamente. Dessa forma, não é interessante realizar a oclusão vascular em conjunto com cargas elevadas, treino prolongados e/ou em todas as sessões de treinamento. Além disso deve-se evitar uso de garrões ou torniquetes, sendo altamente recomendável equipamento e aplicação de pressão (cerca de 90-240 mmHg, dependendo do volume muscular) adequados. 

Treino de Potência

    Essa técnica visa otimizar os ganhos em uma capacidade física específica: a potência muscular. Uma vez que a potência pode ser entendida como a força x velocidade, ou seja, podendo ser aumentada ao elevar a carga em quilos e/ou a velocidade de execução, acredita-se que seus ganhos sejam otimizados ao utilizar carga leve-moderada, na máxima velocidade, adotando poucas repetições (cerca de 4-12).
  
Eficácia científica
    Em um estudo de revisão, Brito (2017) identificou que a técnica de potência foi mais eficaz em aumentar a potência muscular, além de similar ganho de força, comparado ao treinamento de força convencional. Complementando tais achados, Lamas et al. (2010) observaram que a potência muscular aumenta em uma maior magnitude ao realizar exercícios a 60% de 1RM.

Sugestões para aplicação prática
     Considerando os achados científicos, a técnica de potência é uma interessante estratégia quando se quer otimizar os ganhos da potência muscular, sem prejudicar o desempenho de força. Para isso, é interessante utilizar cargas leve-moderadas, realizando poucas repetições na máxima velocidade. Para otimizar seu desempenho, é interessante adotar um descanso relativamente longo (considerando o tempo de estímulo no exercício), cerca de 2 min, ou utilizar algum sistema de treinamento que gere menor fadiga (ex.: cluster).
  
Referências

Takarada, Y., Sato, Y., & Ishii, N. (2002). Effects of resistance exercise combined with vascular occlusion on muscle function in athletes. European journal of applied physiology, 86(4), 308-314.

Slysz, J., Stultz, J., & Burr, J. F. (2016). The efficacy of blood flow restricted exercise: A systematic review & meta-analysis. Journal of science and medicine in sport, 19(8), 669-675.

Fatela, P., Reis, J. F., Mendonca, G. V., Freitas, T., Valamatos, M. J., Avela, J., & Mil-Homens, P. (2018). Acute neuromuscular adaptations in response to low-intensity blood-flow restricted exercise and high-intensity resistance exercise: Are there any differences?. The Journal of Strength & Conditioning Research, 32(4), 902-910.

Nascimento, D. C. (2018). Exercício físico com oclusão vascular: métodos para a prescrição segura na prática clínica. São Paulo: Blucher.

Brito, I. M. D. (2017). Efeitos do treinamento de potência versus treinamento resistido convencional no desempenho funcional, potência, força muscular e hipertrofia em indivíduos idosos: uma revisão sistemática.

Lamas, L., Batista, M. A. B., Fonseca, R., Pivetti, B., Tricoli, V., & Ugrinowitsch, C. (2010). Treinamento de potência muscular para membros inferiores: número ideal de repetições em função da intensidade e densidade da carga. Journal of Physical Education, 21(2), 263-270.