terça-feira, 27 de outubro de 2020

Sistemas do Treinamento de Força #4 - cluster e rest-pause




    Na edição anterior de "Sistemas do Treinamento de Força", vimos os sistemas trisets, pré-exaustão e circuito. Hoje, veremos as principais características de dois sistemas bastante semelhantes e não tão conhecidos nas academias: cluster e rest-pause

    

Sistema cluster

   O cluster ou clustering é caracterizado pela realização de repetições únicas ou pequenos grupos de repetições (denominados cluster), com baixo intervalo de descanso entre as repetições ou cluster (em torno de 15-30 segundos) e curto-médio descanso entre séries (cerca de 60-90 segundos). Tal estratégia permitiria uma maior qualidade na execução das séries, mantendo a técnica adequada da primeira à última repetição, mesmo treinando com cargas pesadas. Além disso, acredita-se que há uma maior capacidade de produção de força pelo músculo, além de menores índices de fadiga ao realizar esse sistema.

Eficácia científica
    Foi evidenciado que o cluster é mais eficaz que o tradicional em gerar maior potência, força, manutenção da técnica e velocidade de execução das repetições, maior trabalho total, além de apresentar bons indicadores de fadiga, como menor lactato sanguíneo e percepção de esforço (Oliver et al., 2015).

    De acordo com Gorostiaga et al. (2012), ocorre maior reposição de CP (creatina fosfato) e ATP (adenosina trifosfato) no cluster, acarretando maior disponibilidade de energia para o exercício. Tais fatores podem refletir numa manutenção da força e potência por mais tempo do que no sistema tradicional.       

Sugestões para aplicação prática
    O cluster pode ser útil em diversas situações, como para iniciantes, ao permitir uma melhor execução técnica dos exercícios e gerar menos fadiga, provavelmente também diminuindo a dor muscular tardia. Porém, indivíduos experientes em treinamento de força também podem se beneficiar desse sistema, trabalhando com cargas maiores do que realizaria no sistema tradicional, além de maior velocidade de execução.

    De modo geral, o cluster é um interessante sistema quando o objetivo da sessão for o aumento da força e/ou potência musculares ou gerar menores índices de fadiga. Nesse mesmo sentido, o cluster pode ser encaixado em uma sessão quando o indivíduo aparenta estar cansado, utilizando-o como um "exercício de descanso".

    Por outro lado, uma vez que apresenta menor estresse mecânico e metabólico, o cluster aparentemente não é o sistema mais indicado quando o objetivo é otimizar a hipertrofia muscular.

Sistema rest-pause

    Semelhante ao cluster, o rest-pause aplica pequenos descansos entre cada repetição ou grupos de repetições. O objetivo nesse sistema, contudo, é fazer com que os indivíduos realizem o máximo de repetições, assim aumentando o volume de treinamento, o que pode favorecer ganhos de força e hipertrofia musculares. O descanso é variado, dependendo de fatores como a carga, nível de treinamento e quantidade de séries, porém descanso por volta de 4 segundos (entre cada repetição) ou 20 segundos (entre grupos de repetições) aparentam ser viáveis. 

Eficácia científica
    Embora o rest-pause aparente ser interessante, Prestes et al. (2019) não identificaram diferenças entre esse sistema e o tradicional, em termos de ganhos de força. Por outro lado, tais autores observaram maior aumento da resistência e hipertrofia musculares no rest-pause.

    De forma semelhante, Korak et al. (2017; 2018) identificaram maior volume total no rest-pause, sendo bom indicativo de ganhos de força e hipertrofia musculares a longo prazo.

    Além disso, o rest-pause pode ser útil em controlar a pressão arterial, sendo mais efetivo que o tradicional em reduzir tanto a pressão sistólica quanto diastólica (Santos et al., 2008).
   
Sugestões para aplicação prática
    Como visto acima, esse sistema é eficaz para ganhos de força e hipertrofia musculares, além de benefícios para a pressão arterial. Em virtude de suas características, é mais indicado para sujeitos experientes em treinamento de força.

    Devido à realidade das academias, aplicar o descanso entre cada repetição pode não ser viável em todos os exercícios, além de provavelmente prolongar a duração da sessão. Dessa forma, realizar repetições máximas, aplicando por volta de 20 segundos de descanso aparenta ser mais interessante. Além disso, devido ao alto volume e realização de repetições máximas, esse sistema aparentemente não é muito aconselhável caso o objetivo seja melhora na potência muscular, além de ocasionar alto grau de fadiga, necessitando de adequada recuperação entre sessões.


Referências

Oliver, J. M., Kreutzer, A., Jenke, S., Phillips, M. D., Mitchell, J. B., & Jones, M. T. (2015). Acute response to cluster sets in trained and untrained men. European journal of applied physiology, 115(11), 2383-2393.

Gorostiaga, E. M., Navarro-Amézqueta, I., Calbet, J. A., Hellsten, Y., Cusso, R., Guerrero, M., ... & Izquierdo, M. (2012). Energy metabolism during repeated sets of leg press exercise leading to failure or not. PloS one, 7(7), e40621.

Prestes, J., Tibana, R. A., de Araujo Sousa, E., da Cunha Nascimento, D., de Oliveira Rocha, P., Camarço, N. F., ... & Willardson, J. M. (2019). Strength and Muscular Adaptations After 6 Weeks of Rest-Pause vs. Traditional Multiple-Sets Resistance Training in Trained Subjects. The Journal of Strength & Conditioning Research, 33, S113-S121.

Korak, J. A., Paquette, M. R., Brooks, J., Fuller, D. K., & Coons, J. M. (2017). Effect of rest-pause vs. traditional bench press training on muscle strength, electromyography, and lifting volume in randomized trial protocols. European journal of applied physiology, 117(9), 1891-1896.

Korak, J. A., Paquette, M. R., Fuller, D. K., Caputo, J. L., & Coons, J. M. (2018). Effect of a rest-pause vs. traditional squat on electromyography and lifting volume in trained women. European journal of applied physiology, 118(7), 1309-1314.

Santos, A. A., Correa, D. C. R., Aguiar, D. B., Goncalves, A., & Lopes, L. T. P. (2008). Resposta aguda da pressão arterial em dois diferentes métodos de exercício resistidos. Revista Digital. Buenos Aires. Ano, 13.





terça-feira, 20 de outubro de 2020

Avaliação Física #1 - Avaliação da Composição Corporal + bônus

 



    Ao iniciar um programa de treinamento físico, é comum as pessoas terem como objetivo a perda e gordura ou ganho de massa muscular (hipertrofia muscular). Uma das formas mais comuns de verificar se está aproximando-se de seu objetivo é por meio da massa corporal (peso corporal), sendo comum a sensação de frustração ao obter um resultado negativo (ex.: aumentar o peso, quando o objetivo era o emagrecimento). Isso não significa que o treinamento não está sendo efetivo. 

    Entre outros fatores, uma possível explicação para isso é que, ao mesmo tempo em que se está diminuindo gordura, também ocorre um aumento da massa muscular, praticamente não alterando a massa corporal total. É importante lembrar que possuímos diferentes estruturas em nosso corpo, dentre elas diferentes tipos de fibras musculares (células do músculo) e que até mesmo uma simples caminhada pode gerar hipertrofia muscular. 

    Assim, caso o objetivo principal de um programa de treinamento seja alterações na composição corporal (ou seja, hipertrofia muscular ou emagrecimento), é fundamental realizar uma avaliação da composição corporal. Hoje iniciaremos uma série sobre avaliação física, iniciando com a mais popular: avaliação da composição corporal. 

    Leia até o final e tenha um conteúdo bônus, fruto da parceria com o projeto Power 11.


O que é testar?

    O teste é uma ferramenta, procedimento ou protocolo padronizado para investigar determinado atributo (ex.: percentual de gordura, força, velocidade, etc.).

O que é medir?

    É o ato de medir/mensurar o atributo que está sendo testado. Em outras palavras, é quantificar (em centímetros, tempo, percentual, etc.) um determinado atributo.

O que é avaliar?

    Trata-se de realizar um julgamento do estado atual de determinado atributo, com base nas medidas que foram obtidas ao se realizar um teste. 

Qual a importância da avaliação?

    Ela fornece informações sobre como está determinado atributo de um indivíduo, sendo fundamental para nortear a prescrição do treinamento, além de verificar se o programa de treinamento está sendo efetivo para melhorar determinadas variáveis e estar mais próximo do objetivo do aluno.

    Ainda, por meio da avaliação física, em especial (mas não exclusivo) a da composição corporal, obtemos importantes indicadores de saúde, desde fatores associados à diversas comorbidades, como sobrepeso e obesidade, até preditores de risco para desenvolver doenças cardiovasculares e/ou metabólica (ex.: hipertensão e diabetes).

    Além disso, alguns testes podem ser utilizados no âmbito esportivo, a fim de identificar quais indivíduos tem maior potencial para se tornar um atleta de alto nível.

O que é composição corporal

    A avaliação da composição corporal busca aprofundar a quantidade dos componentes em nosso corpo, sendo a forma mais clássica a divisão em massa gorda (gordura corporal) e massa magra ou livre de gordura (basicamente tudo além de gordura, como água, músculos, ossos, pelos, pele, etc.). Essa divisão entre compartimentos geralmente ocorre de acordo com qual teste foi utilizado.

Tipos de teste

    Para avaliar a composição corporal, os testes são divididos em 3 categorias: métodos direto, indiretos e duplamente indiretos.

Método direto

    O único método direto é a própria dissecação de cadáveres, na qual é retirada e pesada toda a gordura corporal. Por ser algo inviável, ela raramente é utilizada atualmente, tendo sido de grande importância décadas atrás, a fim de criar outros métodos com alta precisão.

Métodos indiretos

    A pesagem hidrostática, pletismografia e absorciometria de dupla emissão de raios X (DXA) compõem os métodos indiretos, sendo procedimentos com elevado nível de precisão. Por outro lado, são métodos com alto custo financeiro (equipamentos e manutenção), além de serem fixos em laboratórios, o que torna algo inviável de aplicar no dia-a-dia, sendo mais voltados para estudos científicos.

Métodos duplamente indiretos

    Nesta categoria encontram-se os chamados "métodos de campo", os quais são procedimentos mais simples e práticos, ainda que tenham boa precisão dos atributos medidos. Seus principais testes são a impedância bioelétrica (BIA), perimetria e dobras cutâneas.

    Por se tratarem de métodos mais acessíveis, abaixo será descrito em maior detalhe os 3 principais métodos duplamente indiretos.


BIA

    Esse método consiste na transmissão de pequenos impulsos elétricos por meio do corpo do avaliado, podendo estimar a quantidade de água no corpo, assim como a quantidade de massa gorda e livre de gordura.

    Antes de realizar a BIA, o avaliado deve evitar: 1) consumir alimentos ou bebidas 4h antes do teste; 2) exercício moderado à vigoroso 12h; 3) consumo de álcool 48h. Além disso, dependendo do ciclo menstrual, no qual há uma percepção de retenção de água, o teste deve ser adiado.

    Após isso, a avaliação pode ser realizada por equipamentos bipolar (dois eletrodos) ou tetrapolar (quatro eletrodos), com os sujeitos deitados em uma maca, ou em uma balança com suporte à BIA. 

   

Perimetria

    Trata-se da medição das circunferências corporais, o que permite ter uma noção se o indivíduo está aumentando sua massa muscular ou diminuindo sua gordura, de acordo com a região medida, além de poder gerar importantes indicadores de saúde.

    Embora seja uma técnica relativamente simples, alguns cuidados devem ser tomados, tais como: 1) evitar pressionar a fita e/ou o local ao qual será feita a leitura da circunferência; 2) observar atentamente os pontos anatômicos de cada medida, além de verificar se a fita está bem alinhada; 3) evitar utilizar fitas metálicas, que esticam ou que possuam poucas marcações em sua leitura.

    Existem diversas medidas de circunferência, sendo as principais: ombro, tórax, braço (relaxado e contraído), antebraço, cintura, abdominal, quadril, coxa (superior/proximal, média/medial e inferior/distal) e perna/panturrilha.

    A partir disso, alguns indicadores de saúde podem ser gerados, como as razões cintura-quadril (RCQ) e cintura-estatura (RCE), além do índice de conicidade (IC). Na RCQ (circunferência da cintura dividida pela do quadril) podemos verificar o estado atual do avaliado por meio de uma tabela de referência, na qual indicará se apresenta risco baixo, moderado, alto ou muito alto para doenças cardiovasculares ou metabólicas. 

    Já na RCE (circunferência da cintura dividida pela estatura em cm) é apresentado apenas um "valor de corte", onde os indivíduos acima de 0,5 são considerados com aumentado risco para doenças cardiovasculares, enquanto aqueles abaixo desse valor são considerados com baixo risco.

    Por sua vez, o IC é um indicador mais subjetivo do que objetivo, no qual tenta representar o indivíduo num aspecto corporal cilíndrico (corpo magro) ou em duplo cone (obeso). Nesse sentido, valores próximos à 1 representam um corpo cilíndrico, enquanto valores próximos à 1,73 representam corpo em duplo cone, associado à alto risco para doenças cardiovasculares ou metabólicas.

    O IC pode ser calculado da seguinte forma: IC = circunferência da cintura (m) / {0,109 * √[MC (kg) / Estatura (m)]}

    Caso você não tenha um adipômetro, mas queira avaliar o %GC, isso é possível por meio da técnica de perimetria. Para isso, basta medir a estatura (m) e circunferência da cintura (cm) e utilizar a seguinte fórmula: IAC (%) = [cintura / (est * √est)] - 18

    

Dobras cutâneas

    Objetiva medir a espessura do tecido adiposo subcutâneo em determinadas partes do corpo, utilizando um equipamento denominado "adipômetro", "plicômetro" ou "compasso". 

    De modo geral, ao realizar a "pinçada" da dobra cutânea, deve-se evitar utilizar a ponta dos dedos, sendo mais indicada utilizar a região da articulação da falange distal do indicador e polegar. Além disso, é aconselhado realizar 2-3 medidas, de forma rotativa, entre todas as dobras cutâneas contidas na avaliação, podendo utilizar um pincel para demarcar o local exato, em caso de avaliadores inexperientes.

    Outro fator importante é o tempo gasto para realizar a leitura da espessura da dobra, o qual não deve passar de 3 segundos, considerando que há uma redistribuição dos componentes dos tecidos ao realizar a "pinçada", o que pode distorcer o valor da medida. Além disso, é fundamental posicionar o adipômetro de forma que facilite a leitura para o avaliador.

    Após a medição das dobras almejadas, utiliza-se uma fórmula para calcular a densidade corporal (g/cm³) dos avaliados ou o percentual de gordura diretamente. Caso tenha calculado a densidade, utiliza-se em seguida a clássica fórmula de Siri (1961) para homens (%GC = (4,95/Densidade Corporal)-4,5)*100) ou mulheres (%GC = (5,01/Densidade Corporal)-4,57)*100).

    Embora existam diversas fórmulas para calcular a densidade e gordura corporal, com específicos públicos-alvo (ex.: índios, negros, crianças, idosos, etc.), deixarei abaixo uma fórmula para cada sexo, as quais são bastante práticas e com bons escores de validade (R = 0,89 em homens; R = 0,84 em mulheres).

    Pollock et al. (1980) -> homens

        Dobras Cutâneas: tricipital, subescapular e peitoral

       Dc (g/cm³) = 1,1125025 - 0,0013125 x (TRI + SBESC + TRIC) + 0,0000055 x (TRI + SBESC + PEI)² - 0,000244 x (idade em anos)

    Jackson et al. (1980) -> mulheres
    

      Dobras Cutâneas: 

     Dc (g/cm³) = 1,089733 - 0,0009245 x (TRI + ABD + SIL) + 0,0000025 x (TRI + ABD + SIL)² - 0,0000979 x (idade em anos)

  

Demonstração prática + bônus

    Caso tenham interesse em ver na prática como realizar a avaliação de dobras cutâneas, entre na página do Power 11 no instagram. Outras práticas, assim como diversos conteúdos relacionados à preparação física de atletas e não atletas serão publicadas lá, então fiquem à vontade para aproveitar.

    Além disso, acesse essa planilha básica para o cálculo do %GC abordado nesse vídeo.


Referências

Gibson, A. L., Wagner, D., & Heyward, V. (2014). Advanced Fitness Assessment and Exercise Prescription, 7E. Human kinetics.

Morrow Jr, J. R., Jackson, A. W., Disch, J. G., & Mood, D. P. (2014). Medida e Avaliação do Desempenho Humano, 4E. Artmed Editora.


terça-feira, 13 de outubro de 2020

Sistemas do Treinamento de Força #3 - trisets, pré-exaustão e circuito




    Em "Sistemas do Treinamento de Força #2", foram abordados os sistemas piramidal, dropsets e supersets. Agora, continuaremos com mais três sistemas igualmente populares aos acima citados.

Sistema Trisets

    Consiste na realização de 3 exercícios para o mesmo grupamento muscular, sem descanso entre si. Ao utilizar esse sistema, pretende-se otimizar a relação entre volume e intensidade, além de permitir a redução da duração da sessão. 

    Outra característica do trisets é um maior estresse metabólico, o que pode favorecer ganhos hipertróficos e resistência muscular. Por outro lado, os níveis de fadiga são elevados, o que requer um bom nível de treinamento para realizá-lo corretamente.

Eficácia científica
    Estudos evidenciaram muitos benefícios ao utilizar o sistema trisets, porém a maioria em indivíduos com ao menos 1 ano de experiência com treinamento de força. Garcia et al. (2016) identificaram que esse sistema gera um ganho de força semelhante ao obtido ao realizar o sistema tradicional, além do aumento da resistência muscular ser maior no trisets, refletindo na capacidade de realizar um maior volume de treinamento. Reforçando tais achados, Weakley et al. (2017) também identificaram maior aumento da resistência muscular no trisets, além de provocar maior estresse neuroendócrino e menor duração da sessão.
 
Sugestões para aplicação prática
    Como vimos, o sistema trisets é tão eficaz quanto o tradicional em ganhos de força, além de ser mais eficaz para hipertrofia e resistência musculares, podendo reduzir a duração da sessão. Por outro lado, é gerado altos níveis de fadiga, o que requer adequado descanso entre séries e sessões. 

    Com isso, é interessante utilizar tal sistema em indivíduos com experiência em treinamento de força. Menor tempo de descanso entre séries (cerca de 2 min) pode ser aplicado para diminuir a duração da sessão. Caso o foco seja otimizar a qualidade das repetições, com maior volume, é interessante aplicar um período de descanso maior (aproximadamente 3-5 min).


Sistema pré-exaustão

   Esse sistema é caracterizado pela realização  de dois exercícios, realizados em sequência, aplicando o descanso apenas entre as séries. Geralmente inicia-se com um exercício cuja musculatura principal também auxilia no 2º exercício, porém de forma secundária (agonista secundário), enquanto a maior parte do trabalho é realizado por outra musculatura. 

    Para melhor exemplificar essa situação, podemos realizar o exercício tríceps pulley, no qual a musculatura agonista primária é o tríceps braquial, seguido pelo exercício supino reto, cujo agonista primário é o peitoral maior e os agonistas secundários são  o deltoide anterior e tríceps braquial.

    A ideia do sistema pré-exaustão é desgastar a musculatura agonista do primeiro exercício, para que no exercício seguinte, seu agonista primário exerça um trabalho maior que o habitual e, com isso, aumentando os ganhos de força e hipertrofia.

Eficácia científica
    Embora as teorias associadas ao pré-exaustão sejam interessantes, os estudos apresentam resultados conflitantes. De um lado, temos os estudos de Fisher et al. (2014), Vilaça-Alves et al. (2014) e Trindade et al. (2019), que verificaram similar aumento de força e hipertrofia ao comparar o pré-exaustão e tradicional, além de maior fadiga e percepção de esforço no pré-exaustão. Ainda, apenas o tradicional foi eficaz para reduzir o percentual de gordura corporal (Trindade et al., 2019).

    Do outro lado, temos os estudos de Júnior et al, (2009) e Wallace et al. (2019), que encontraram maior ativação muscular ao realizar o sistema pré-exaustão, especialmente quando o primeiro exercício foi realizado com cargas leve à moderada (30-60% do 1RM).
 
Sugestões para aplicação prática
    Esse é um sistema interessante, quando a carga no 1º exercício for baixa à moderada, podendo trazer maiores benefícios para a musculatura principal no 2º exercício. Caso a intenção também seja diminuir a duração da sessão de treinamento, pode-se usar um menor descanso entre séries (cerca de 2 min). Caso a intenção seja apenas aumentar o estresse metabólico no segundo exercício, pode ser utilizado um tempo de descanso em torno de 3 min.

    Além disso, o pré-exaustão é um sistema interessante para quebrar a monotonia do treinamento que pode acontecer ao utilizar apenas um sistema ou estratégia em todas as sessões.

Sistema circuito

    No sistema circuito, em cada série são realizados vários exercícios (cerca de 6, dependendo no nível de treinamento) de qualquer grupamento muscular e sem descanso entre si. Normalmente são realizadas mais que uma série, com descanso entre 1 e 5 min, utilizando cargas leve à moderada. Ao prescrever esse sistema, os objetivos geralmente são a redução do tempo da sessão e/ou melhora no sistema cardiorrespiratório.    

Eficácia científica
    Ao realizar um treinamento em circuito combinado com aeróbico, Skidmore et al. (2012) observaram maior lactato sanguíneo, frequência cardíaca e esforço percebido, comparado ao tradicional e circuito aeróbico. Por outro lado, a quantidade de trabalho foi maior do que o realizado no sistema tradicional, sendo um potencial sistema para aumento da resistência e força musculares, além da resistência cardiovascular.

    Resultados semelhantes foram encontrados por Nasser et al. (2019), ao identificaram maior trabalho por tempo de sessão no sistema circuito. Além disso, esses autores observaram benefícios na modulação autonômica, tônus vagal, variabilidade da frequência cardíaca e pressão arterial ao realizar o circuito.     

Sugestões para aplicação prática
    O circuito é um sistema interessante quando o objetivo é reduzir a duração da sessão, ou realizar uma maior quantidade de trabalho em um determinado período de tempo, comparado ao tradicional. O tempo de descanso irá variar de acordo com a quantidade de exercícios realizados, intensidade e nível de treinamento, podendo variar de 4-5 min, para esforços mais intensos e cerca de 2 min, para uma menor intensidade.

    Por outro lado, esse sistema não é o ideal caso a força máxima ou potência muscular forem os principais objetivos do treinamento, sendo mais adequado utilizar outros sistemas.    


Referências

Fleck, S. J., & Kraemer, W. J. (2017). Fundamentos do treinamento de força muscular. 4th edição, Artmed Editora.

Garcia, P., Nascimento, D. D. C., Tibana, R. A., Barboza, M. M., Willardson, J. M., & Prestes, J. (2016). Comparison between the multiple‐set plus 2 weeks of tri‐set and traditional multiple‐set method on strength and body composition in trained women: a pilot study. Clinical physiology and functional imaging, 36(1), 47-52.

Weakley, J. J., Till, K., Read, D. B., Roe, G. A., Darrall-Jones, J., Phibbs, P. J., & Jones, B. (2017). The effects of traditional, superset, and tri-set resistance training structures on perceived intensity and physiological responses. European journal of applied physiology, 117(9), 1877-1889.

Fisher, J. P., Carlson, L., Steele, J., & Smith, D. (2014). The effects of pre-exhaustion, exercise order, and rest intervals in a full-body resistance training intervention. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, 39(11), 1265-1270.

Vilaça-Alves, J., Geraldes, L., Fernandes, H. M., Vaz, L., Farjalla, R., Saavedra, F., & Reis, V. M. (2014). Effects of pre-exhausting the biceps brachii muscle on the performance of the front lat pull-down exercise using different handgrip positions. Journal of human kinetics, 42(1), 157-163.

Trindade, T. B., Prestes, J., Neto, L. O., Medeiros, R. M. V., Tibana, R. A., de Sousa, N. M. F., ... & Dantas, P. M. S. (2019). Effects of Pre-exhaustion Versus Traditional Resistance Training on Training Volume, Maximal Strength, and Quadriceps Hypertrophy. Frontiers in Physiology, 10.

Trindade, T. B., Prestes, J., Neto, L. O., Medeiros, R. M. V., Tibana, R. A., de Sousa, N. M. F., ... & Dantas, P. M. S. (2019). Effects of Pre-exhaustion Versus Traditional Resistance Training on Training Volume, Maximal Strength, and Quadriceps Hypertrophy. Frontiers in Physiology, 10.

Wallace, W., Ugrinowitsch, C., Stefan, M., Rauch, J., Barakat, C., Shields, K., ... & De Souza, E. O. (2019). Repeated Bouts of Advanced Strength Training Techniques: Effects on Volume Load, Metabolic Responses, and Muscle Activation in Trained Individuals. Sports, 7(1), 14.

Skidmore, B. L., Jones, M. T., Blegen, M., & Matthews, T. D. (2012). Acute effects of three different circuit weight training protocols on blood lactate, heart rate, and rating of perceived exertion in recreationally active women. Journal of sports science & medicine, 11(4), 660.

Nasser, I., Willardson, J., de Mello Perez, R., Reis, M. S., de Azevedo Brito, A., Dias, I. F., & Miranda, H. L. (2019). Effect of different circuit training on cardiovascular responses in cirrhotic patients. International journal of sports medicine, 40(02), 139-146.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Aquecimento no Treinamento de Força


   



    Anteriormente, debatemos sobre a influência do alongamento ao ser realizado na mesma sessão do treinamento de força, seja antes ou depois (caso ainda não tenha lido, clique aqui). 

    Além do alongamento, outras práticas costumam ser bastante realizadas nas academias de treinamento de força, como pedalar ou caminhar/correr. Porém, será que essa é a forma mais efetiva de aquecer-se?

    Hoje, veremos um pouco mais sobre as características e eficácia das principais estratégias de aquecimento para o treinamento de força.


Objetivos do Aquecimento

     O aquecimento é uma estratégia que tem como objetivo gerar um estado físico e mental "ideal" para um exercício físico subsequente. Em decorrência do aquecimento, ocorrem algumas adaptações fisiológicas, tais como a elevação da temperatura corporal, frequências cardíaca e respiratória e aumento da lubrificação articular. Além disso, também há melhoras psíquicas, como aumento da atenção e concentração.    


Tipos de Aquecimento

    Basicamente, temos dois tipos de aquecimento:

Geral

    Geralmente envolve exercícios aeróbios (ex.: caminhada, trote, pedalar) de baixa à moderada intensidade, envolvendo grandes grupos musculares em todo (ou boa parte) do corpo.


Específico

    Esforço que visa se assemelhar à atividade principal da sessão de treinamento, com objetivo de aumentar a ativação neuromuscular em uma atividade mais específica do que no aquecimento geral. Por exemplo, caso o objetivo seja preparar-se para uma partida de futebol, o aquecimento específico pode envolver jogos reduzidos com bola. Já no treinamento de força, podemos realizar um aquecimento na própria máquina/exercício que se pretende iniciar a sessão de treinamento.


Evidências científicas

  Abad et al (2011) identificaram que o protocolo onde houve a combinação de exercício aeróbio (bicicleta ergométrica) e específico obteve o melhor desempenho no teste de 1 repetição máxima (1RM). Porém, vale destacar que houve grande distorção na duração de estímulo entre os protocolos (cerca de 25min no combinado vs 2,5min no específico), o que dificulta determinar se o benefício do desempenho é decorrente da ação realizada ou da duração do aquecimento.

    Os resultados de Ribeiro et al (2014) novamente colocam em dúvida se há diferenças entre os tipos de aquecimento, uma vez que em seu estudo, não houve diferença entre os protocolos aeróbio, específico, combinado e controle nos 3 exercícios avaliados (supino reto, agachamento e flexão de cotovelos).

    Por outro lado, no estudo de Sá et al (2016), o aquecimento específico obteve o melhor desempenho no exercício agachamento hack, o que dificulta determinar há um tipo de aquecimento mais efetivo.


Recomendações

    Embora existam controvérsias entre os resultados dos estudos, ao analisá-los de forma ampla podemos provir algumas recomendações, tais como:

    Considerando que o aquecimento deve cumprir seus objetivos (ex.: melhorar desempenho, e prevenção de lesão) sem gerar alto grau de fadiga, a combinação entre exercício aeróbio e específico parece a melhor saída. Para isso, é interessante realizar o exercício aeróbio de moderada intensidade e 10-20min de duração, juntamente com exercício específico na própria máquina que pretende-se iniciar a sessão de treinamento, adotando uma série de 8-10 repetições com 50% da carga (kg) do treino, seguida por uma série de 3-5 repetições a 70% da carga (kg), utilizando 2min de descanso. 

    O aquecimento específico pode ser realizado em mais de um exercício, dependendo de como será organizada a ordem de exercícios da sessão de treinamento. É importante lembrar que o aquecimento não deve ser muito extenso e/ou intenso, uma vez que pode elevar a fadiga e prejudicar o desempenho.


Referências

Abad, C. C., Prado, M. L., Ugrinowitsch, C., Tricoli, V., & Barroso, R. (2011). Combination of general and specific warm-ups improves leg-press one repetition maximum compared with specific warm-up in trained individuals. The Journal of Strength & Conditioning Research, 25(8), 2242-2245.

Ribeiro, A. S., Romanzini, M., Schoenfeld, B. J., Souza, M. F., Avelar, A., & Cyrino, E. S. (2014). Effect of different warm-up procedures on the performance of resistance training exercises. Perceptual and motor skills, 119(1), 133-145.

Sá, M. A., Matta, T. T., Carneiro, S. P., Araujo, C. O., Novaes, J. S., & Oliveira, L. F. (2016). Acute effects of different methods of stretching and specific warm-ups on muscle architecture and strength performance. Journal of Strength and Conditioning Research, 30(8), 2324-2329.