terça-feira, 30 de março de 2021

Métodos de Controle de Carga do Treinamento

 


    O treinamento físico resulta em diversos benefícios em aspectos como desempenho e saúde, sendo a continuidade e sobrecarga princípios fundamentais para favorecer contínuas melhoras. Contudo, é comum as pessoas sentirem dificuldade ao progredir em um programa de treinamento, podendo até a resultar em lesões por esforço excessivo  ou estagnação em uma ou mais capacidades físicas.

    Dentre as possíveis explicações, a ausência do controle da carga de treinamento é uma das mais comuns. A carga de treinamento diz respeito ao quanto de esforço foi realizado em uma sessão de treinamento, sendo dividida em carga interna e externa. Esta simples estratégia possui fundamental importância em um programa de treinamento físico bem estruturado, podendo ser um fator chave para alcançar os objetivos. Abaixo trarei uma breve explicação sobre a carga externa, interna e seus principais métodos de campo.


Carga Externa

    A carga externa busca quantificar atributos da sessão de treinamento, geralmente associadas a fatores de prescrição, como volume, velocidade, duração do estímulo e carga mecânica.

    A carga mecânica, no treinamento de força, é um dos principais parâmetros para controle de carga externa, sendo de grande importância quando se é pretendido elevar ou diminuir o esforço em uma sessão.

    Para calcular a carga mecânica em cada exercício e de toda a sessão de treinamento, devemos realizar as seguintes operações:

    Carga mecânica por exercício (UA) = nº séries x nº repetições x carga (kg).

    Carga mecânica da sessão (UA) = carga mecânica no exercício 1 + carga mecânica no exercício 2 ... + carga mecânica no exercício n

  

Carga Interna

    Por sua vez, a carga interna visa quantificar como o organismo de um indivíduo respondeu ao estímulo (treino) que foi realizado. Para isso, diversos métodos podem ser aplicados, desde fatores psicológicos, até fisiológicos. A aplicação de determinado método irá depender da disponibilidade de ferramentas ao acesso do profissional, além da especificidade com a modalidade do aluno/atleta. Abaixo irei mencionar os principais métodos de controle de carga interna do treinamento.

    PSE-S

    A  percepção subjetiva do esforço (PSE)  é  entendida  como a  integração  de  sinais  periféricos  (músculos  e articulações)  e  centrais  (ventilação)  que, interpretados  pelo  córtex  sensorial,  produzem  a percepção  geral  ou  local  do  esforço  para  a realização  de  uma  determinada  tarefa. Diferentes escalas são utilizadas para mensurar a PSE em uma sessão de treinamento, sendo as versões mais famosas a CR10, OMNI e a forma tradicional da escala de Borg (6-20 pontos).

    Baseada na resposta do esforço em uma sessão de treinamento, Foster et al. (2001) propôs o método da  percepção subjetiva do esforço da sessão (PSE-S), como um simples e eficaz método de controle de carga. Em seu protocolo original, multiplicava-se a resposta da PSE 30min após o término da sessão com a duração (min). Mais recentemente, menores tempos pós sessão (ex.: 20, 15 e 10min) mostraram ser suficientes para obtenção da PSE-S.


    Humor

    Os estados de humor representam uma ferramenta simples, subjetiva, porém pode ser bem aproveitada e costuma representar o grau de esforço em uma sessão de treinamento.

    A literatura aborda 6 estados (ou dimensões) do humor: tensão, depressão, raiva, fadiga, confusão mental e vigor (Vieira et al., 2010). Resumidamente, o vigor representa a única dimensão positiva, e altos valores nesse fator representa muita energia e pouco cansaço. De modo oposto, as demais dimensões (consideradas dimensões negativas), em especial a fadiga, representam o quão desgastante foi a atividade realizada.

    Os principais questionários que medem o humor são o BRUMS e POMS, podendo ser aplicados imediatamente antes/após a sessão, bem como semanalmente.


    TRIMP

    O TRIMP, abreviação de "Training Impulse" (impulso ou estímulo do treinamento), é um método proposto por Banister et al. (1991) para quantificar o esforço do treinamento em um único parâmetro. Para isso, eles avaliaram a resposta da frequência cardíaca e duração do exercício, principalmente em exercícios cardiorrespiratórios. Esse método é calculado da seguinte forma:

    TRIMP (w(t)) = duração da sessão(min) * Razão ∆HR Y

    Razão ∆HR = (FCexercício – FCdescanso) / (FCmáxima – FCdescanso)
    
    Y = (0,64 * e)1,92 * x  (homens)
    Y = (0,86 * e)1,67 * x (mulheres)

    e = 2,712
    x = Razão ∆HR 


    VFC

    A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) é o intervalo entre entre os batimentos cardíacos, mais especificamente o intervalo entre uma onda R e outra (Vanderlei et al. 2009). Esse fator reflete a modulação simpática e parassimpática do sistema nervoso autônomo ao regular a frequência cardíaca. O exercício físico, em especial o cardiorrespiratório, é capaz de modificar a VFC, podendo esse método ser utilizado para identificar se há uma boa adaptação à um programa de treinamento físico.


    CK

    A creatina quinase (CK) é um marcador biomecânico amplamente utilizado para quantificar o dano muscular (Rodrigues et al., 2010). Embora mais complexa que os demais métodos, este método fornece importante informação em relação ao desgaste após uma sessão de treinamento, podendo auxiliar a gerenciar a intensidade nas sessões seguintes.


Referências

Foster, C., Florhaug, J. A., Franklin, J., Gottschall, L., Hrovatin, L. A., Parker, S., ... & Dodge, C. (2001). A new approach to monitoring exercise training. The Journal of Strength & Conditioning Research, 15(1), 109-115.


Uchida, M. C., Teixeira, L. F., Godoi, V. J., Marchetti, P. H., Conte, M., Coutts, A. J., & Bacurau, R. F. (2014). Does the timing of measurement alter session-RPE in boxers?. Journal of sports science & medicine, 13(1), 59.


Vieira, L. F., de Oliveira, J. S., Gaion, P. A., de Oliveira, H. G., da Rocha, P. G. M., & Vieira, J. L. L. (2010). Estado de humor e periodização de treinamento: um estudo com atletas fundistas de alto rendimento. Journal of Physical Education, 21(4), 585-591.


Vanderlei, L. C. M., Pastre, C. M., Hoshi, R. A., Carvalho, T. D. D., & Godoy, M. F. D. (2009). Noções básicas de variabilidade da frequência cardíaca e sua aplicabilidade clínica. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery, 24(2), 205-217.


Rodrigues, B. M., Dantas, E., de Salles, B. F., Miranda, H., Koch, A. J., Willardson, J. M., & Simão, R. (2010). Creatine kinase and lactate dehydrogenase responses after upper-body resistance exercise with different rest intervals. The Journal of Strength & Conditioning Research, 24(6), 1657-1662.



terça-feira, 23 de março de 2021

Técnicas do Treinamento de Força #3 - Oclusão vascular e técnica da potência


   


    Em "Técnicas do Treinamento de Força #2" vimos duas técnicas que tinham por objetivo levar o indivíduo ao máximo de repetições possíveis, para assim aumentar o estresse metabólico e otimizar ganhos de força e hipertrofia musculares. Hoje, veremos duas técnicas que visam um menor volume de treinamento, porém com objetivos divergentes.

Oclusão Vascular

     O treinamento de oclusão vascular, restrição de fluxo sanguíneo ou simplesmente treino "Kaatsu", é caracterizado pelo uso de um equipamento que reduz o fluxo sanguíneo em determinado segmento corporal (braços ou pernas), afim de aumentar o estresse metabólico.

   Devido ao maior estresse metabólico, essa técnica permite aos indivíduos alcançarem similares resultados ao treino com alta intensidade sem restrição vascular, ainda que sejam utilizadas cargas leve-moderada.
 
Eficácia científica
    Na literatura científica, alguns estudos evidenciaram benefícios da técnica de oclusão vascular, podendo gerar aumento no tamanho, força e resistência musculares (Takarada, Sato e Issi, 2002; Sylz, Stulz e Burr, 2015; Fatela et al., 2017). 
    
    Por outro lado, Nascimento (2018) alerta para alguns riscos envolvendo essa técnica (por exemplo: trombose venosa), a qual foi considerada contraindicada para indivíduos que possuam problemas cardiovasculares, diabetes, hiperlipidemia ou obesidade. Ainda, o autor traz como de risco seu uso em pessoas com histórico/tendência à trombose, grávidas e indivíduos com varizes.

Sugestões para aplicação prática
    A oclusão vascular é uma interessante técnica para se obter hipertrofia, força e resistências musculares. Devido ao seu alto estresse metabólico, permite a obtenção de tais resultados, mesmo utilizando baixas cargas de treinamento, sendo interessante para pessoas que não podem/conseguem realizar treino com cargas elevadas (ex.: idosos ou pessoas voltando de lesão).

    Por outro lado, tal técnica pode gerar sérios riscos, caso aplicado inadequadamente. Dessa forma, não é interessante realizar a oclusão vascular em conjunto com cargas elevadas, treino prolongados e/ou em todas as sessões de treinamento. Além disso deve-se evitar uso de garrões ou torniquetes, sendo altamente recomendável equipamento e aplicação de pressão (cerca de 90-240 mmHg, dependendo do volume muscular) adequados. 

Treino de Potência

    Essa técnica visa otimizar os ganhos em uma capacidade física específica: a potência muscular. Uma vez que a potência pode ser entendida como a força x velocidade, ou seja, podendo ser aumentada ao elevar a carga em quilos e/ou a velocidade de execução, acredita-se que seus ganhos sejam otimizados ao utilizar carga leve-moderada, na máxima velocidade, adotando poucas repetições (cerca de 4-12).
  
Eficácia científica
    Em um estudo de revisão, Brito (2017) identificou que a técnica de potência foi mais eficaz em aumentar a potência muscular, além de similar ganho de força, comparado ao treinamento de força convencional. Complementando tais achados, Lamas et al. (2010) observaram que a potência muscular aumenta em uma maior magnitude ao realizar exercícios a 60% de 1RM.

Sugestões para aplicação prática
     Considerando os achados científicos, a técnica de potência é uma interessante estratégia quando se quer otimizar os ganhos da potência muscular, sem prejudicar o desempenho de força. Para isso, é interessante utilizar cargas leve-moderadas, realizando poucas repetições na máxima velocidade. Para otimizar seu desempenho, é interessante adotar um descanso relativamente longo (considerando o tempo de estímulo no exercício), cerca de 2 min, ou utilizar algum sistema de treinamento que gere menor fadiga (ex.: cluster).
  
Referências

Takarada, Y., Sato, Y., & Ishii, N. (2002). Effects of resistance exercise combined with vascular occlusion on muscle function in athletes. European journal of applied physiology, 86(4), 308-314.

Slysz, J., Stultz, J., & Burr, J. F. (2016). The efficacy of blood flow restricted exercise: A systematic review & meta-analysis. Journal of science and medicine in sport, 19(8), 669-675.

Fatela, P., Reis, J. F., Mendonca, G. V., Freitas, T., Valamatos, M. J., Avela, J., & Mil-Homens, P. (2018). Acute neuromuscular adaptations in response to low-intensity blood-flow restricted exercise and high-intensity resistance exercise: Are there any differences?. The Journal of Strength & Conditioning Research, 32(4), 902-910.

Nascimento, D. C. (2018). Exercício físico com oclusão vascular: métodos para a prescrição segura na prática clínica. São Paulo: Blucher.

Brito, I. M. D. (2017). Efeitos do treinamento de potência versus treinamento resistido convencional no desempenho funcional, potência, força muscular e hipertrofia em indivíduos idosos: uma revisão sistemática.

Lamas, L., Batista, M. A. B., Fonseca, R., Pivetti, B., Tricoli, V., & Ugrinowitsch, C. (2010). Treinamento de potência muscular para membros inferiores: número ideal de repetições em função da intensidade e densidade da carga. Journal of Physical Education, 21(2), 263-270.