
Em "Métodos do Treinamento Cardiorrespiratório #1", vimos as principais características do treinamento cardiorrespiratório, além do primeiro e mais clássico método: o treinamento contínuo. Embora seja um treinamento eficaz, existem outras formas de melhorar o desempenho físico e gerar adaptações positivas em aspectos relacionados à saúde, de forma mais dinâmica e em menor tempo.
Leia a postagem até o fim e conheça as principais características e tipos do treinamento intervalado.
Treinamento Intervalado
O treinamento intervalado geralmente consiste na realização de séries com esforços em alta intensidade, intercalados com esforços em intensidade leve-moderada. É uma prática popular entre atletas e não-atletas, permitindo realizar uma maior quantidade total de esforços em alta intensidade, o que não seria possível no treinamento contínuo.
Tal tipo de treinamento pode ser adaptado de acordo com a necessidade e condicionamento físico do indivíduo, podendo ser voltado para melhorar velocidade, potência e resistência anaeróbia, assim como potência e resistência aeróbia. Seus principais tipos são: HIIT, SIT e RST.
HIIT
No mais clássico modelo de treinamento intervalado, o high-intensity interval training (treinamento intervalado de alta intensidade, ou apenas "HIIT"), preza-se a eficiência do treinamento em comparação com a duração da sessão, podendo gerar semelhantes benefícios ao treinamento contínuo, com metade do tempo.
Nesse método de treinamento, os esforços não são realizados de modo explosivo, porém aplica-se uma intensidade relativamente alta, intercalado com descanso ativo (no próprio equipamento/modo de treino) com intensidade consideravelmente menor.
De forma semelhante ao contínuo, é interessante iniciar o treinamento realizando um aquecimento (cerca de 5 a 10min) em um ritmo leve a moderado, encerrando-se a sessão com uma volta à calma de modo similar, iniciando com intensidade moderada e gradualmente a diminuindo.
A configuração do treino principal irá depender de indivíduo para indivíduo, geralmente consistindo de 4 a 10 séries com 30s a 4min de esforço em alta intensidade, e uma duração total por volta de 12 a 20min. A duração do esforço também irá depender diretamente da condição física do indivíduo, podendo iniciar numa proporção de 1:2 (tempo de descanso sendo o dobro do tempo de estímulo), aumentando para 1:1 (descanso igual ao estímulo) e 2:1 (descanso sendo a metade do tempo de estímulo) ao longo do programa de treinamento.
Eficácia científica
Em termos de desempenho físico, o HIIT mostrou ser eficaz em diferentes públicos, como no estudo de Sperlich et al. (2011), realizado em crianças e adolescentes praticantes de futebol, evidenciando uma melhora no tempo de sprint. Nesse estudo o protocolo do HIIT foi muito variado, indo de 8 séries de 1min (descanso 1:1) até 4 séries de 4min, com 3min de descanso.
Por sua vez, Chéilleachair, Harrison & Warrington (2016) observaram uma superioridade do HIIT ao melhorar tempo de 2 mil metros, VO2máx e potência no limiar anaeróbio, comparado ao contínuo, em remadores bem treinados.
Quando nos referimos a aspectos relacionados à saúde, o HIIT mostrou ser benéfico os sistemas cardiovascular e respiratório, além de ser ser tão efetivo para o emagrecimento quanto o contínuo, com menor duração da sessão. As meta análises de Wilson et al (2019) e Su et al. (2019) suportam o argumento citado acima, ao evidenciarem aumento na capacidade aeróbia, funções cardíacas, VO2 e colesterol total em indivíduos diabéticos e obesos, respectivamente.
Recomendações
Apesar do HIIT demonstrar ser um método eficaz e seguro para melhorar aspectos relacionados ao desempenho e saúde, tanto em indivíduos livres de doença, quanto diabéticos, obesos e outras doenças crônicas, algumas questões merecem ser pontuadas.
Primeiramente, devemos refletir se nosso local de trabalho oferece a mesma estrutura, em termos de instrumentos e equipe média acessível, que fora utilizada nos estudos, especialmente em pessoas com problemas cardiovasculares.
Outro ponto que devemos atentar é quanto à escolha dos exercícios, pois alguns apresentam maior impacto nas articulações do que outros. Por exemplo, o trote/corrida não é algo interessante para indivíduos obesos ou com sobrepeso, uma vez que acarreta alto impacto em suas articulações, tanto pelo exercício, quanto por sua massa corporal elevada. Ainda, quando for o caso, atentar para a especificidade da modalidade escolhida, realizando algo condizente com o objetivo do aluno/atleta.
SIT
Assim como o HIIT, o Sprint Interval Training (SIT) é caracterizado pela realização de esforços com elevada intensidade, intercalados com esforços de intensidade leve-moderada. No SIT, contudo, os esforços em alta intensidade são realizadas de forma explosiva (máxima velocidade possível), com duração de até 30 segundos.
No SIT, a eficiência do treinamento em relação à duração da sessão também é elevada, podendo atingir intensidades ainda mais altas que no HIIT, com volume e duração menores.
Assim como os demais métodos, é fundamental iniciar o treinamento realizando um aquecimento (cerca de 5 a 10min) em um ritmo leve a moderado, encerrando-se a sessão com uma volta à calma de modo similar, iniciando com intensidade moderada e gradualmente a diminuindo.
Eficácia científica
O SIT é um método bastante promissor, que vem ganhando atenção do meio científico nos últimos anos. Em termos de desempenho físico, estudos de 2018, realizados por Sokmen et al. e Koral et al., evidenciaram aumento no VO2Máx, velocidade, potência (máxima, pico e média) e resistência anaeróbia, com menor duração de sessão que o contínuo. Ainda, o SIT foi o único protocolo a aumentar a força na extensão e flexão de pernas.
Embora os estudos acima tenham sido realizados com homens e mulheres saudáveis e treinados, alguns estudos mostram também o benefício do SIT em população sedentária e/ou com doenças crônicas. Por exemplo, o estudo de Banitalebi et al. (2018) foi realizado com mulheres diabéticas (cerca de 55 anos de idade), evidenciando melhora na capacidade aeróbia e glicose de jejum, sendo um potencial combatente contra a diabetes.
Por sua vez, Minghetti et al. (2018) também evidenciaram melhora em questões psicológicas ao aplicar o SIT, sendo efetivo para reduzir sintomas depressivos em indivíduos com depressão maior. Nesse estudo, além do SIT apresentar menor duração da sessão de treinamento, também apresentou menor percepção de esforço, comparado ao contínuo.
Recomendações
Assim como o HIIT, alguns cuidados devem ser tomados ao realizar o SIT. De modo semelhante, devemos analisar a estrutura do local ao qual o treinamento será realizado, além da modalidade de exercícios escolhida, uma vez que a intensidade do SIT é ainda maior que no HIIT.
Tendo isso em mente, indivíduos que estão iniciando um programa de treinamento e/ou possuem algum tipo de doença cardiovascular podem ter algumas dificuldade em realizar esse método, sendo mais adequado o contínuo ou HIIT, de acordo com cada situação.
Ainda, indivíduos com obesidade, sobrepeso ou algum incômodo nas articulações de membros inferiores devem evitar esse método, especialmente se pretendido realizar na forma de corrida, sendo mais indicado iniciar com outros métodos e aos poucos ir adaptando-se e mesclando os métodos de treinamento.
RST
O Repeated Sprint Training (RST) assemelha-se ao SIT, ao serem realizados esforços máximos de curta duração. Contudo, no RST, tais esforços são ainda mais curtos (geralmente < 10s) e na maioria das vezes realizando o sprint na forma de corrida e adotando recuperação passiva (sem realizar qualquer exercício físico), com razão entre esforço e descanso de 1:3 (ex.: sprint de 10s com 30s de descanso) à 1:6 (ex.: sprint de 10s com 60s de descanso).
Esse método é bastante utilizado para melhorar a capacidade anaeróbia, principalmente em atletas de esportes intermitentes (ex.: futebol, tênis, basquete), onde é fundamental a realização de muitos sprints sem grande diminuição em seu desempenho. Porém, outros benefícios em termos de desempenho físico podem ser obtidos ao realizar o RST, como aumento na velocidade, força de membros inferiores e potência anaeróbia.
Assim como os demais, é importante realizar atividades de aquecimento e volta à calma no início e fim da sessão, respectivamente. Em relação a configuração do treinamento, irá depender de acordo com o condicionamento atual do indivíduo, com os esforços podendo ser prescritos tanto pelo tempo, quanto distância a ser percorrida. Geralmente os protocolos envolvem de 2 a 4 séries com 1 a 7 repetições (sprints), variando entre 10 a 40m, com descanso de 20 a 120s entre repetições e 2 a 10min entre séries.
Eficácia científica
O RST apresenta interessantes resultados em termos de desempenho físico, como abordado na meta análise de Taylor et al. (2015), onde o RST ocasionou melhora nos testes de salto com contra-movimentos, sprint (10, 20 e 30m), sprints repetidos e Yo-Yo test, sugerindo que este método de treinamento é eficaz para melhorar potência de membros inferiores, velocidade e resistência (aeróbia e anaeróbia).
Além disso, outros benefícios foram relatados por Fernandez-Fernandez et al. (2012), ao identificarem aumento na aptidão cardioreespiratória após realizar o RST, com menor duração da sessão que no HIIT.
Recomendações
Embora o RST seja um método promissor, obtendo melhoras no desempenho físico em uma duração de sessão muito curta, devemos ter alguns cuidados quanto à sua aplicação. Resumidamente, todos os cuidados citados ao aplicar o SIT também dever ser tomados com o RST.
Além disso, quando nos referimos à atletas, ou indivíduos que almejem melhorar o desempenho em um teste/prova específico, o local do treinamento deve ser similar ao do teste. Nesse sentido, embora a maioria dos estudos apliquem o RST na corrida, o mesmo também pode ser aplicado em outras modalidades, como no ciclismo.
Referências
Fleck, S. J., & Kraemer, W. J. (2017). Fundamentos do treinamento de força muscular. 4th edição, Artmed Editora.
Heyward,V. H., & Gibson, A. L. (2014). Advanced Fitness Assessment and Exercise Prescription. 7th edition, Human Kinetics.
Sperlich, B., De Marées, M., Koehler, K., Linville, J., Holmberg, H. C., & Mester, J. (2011). Effects of 5 weeks of high-intensity interval training vs. volume training in 14-year-old soccer players. The Journal of Strength & Conditioning Research, 25(5), 1271-1278.
Ní Chéilleachair, N. J., Harrison, A. J., & Warrington, G. D. (2017). HIIT enhances endurance performance and aerobic characteristics more than high-volume training in trained rowers. Journal of Sports Sciences, 35(11), 1052-1058.
Wilson, G. A., Wilkins, G. T., Cotter, J. D., Lamberts, R. R., Lal, S., & Baldi, J. C. (2019). HIIT improves left ventricular exercise response in adults with type 2 diabetes. Medicine & Science in Sports & Exercise, 51(6), 1099-1105.
Sökmen, B., Witchey, R. L., Adams, G. M., & Beam, W. C. (2018). Effects of sprint interval training with active recovery vs. endurance training on aerobic and anaerobic power, muscular strength, and sprint ability. The Journal of Strength & Conditioning Research, 32(3), 624-631.